A postagem a seguir foi originalmente escrita no blog “Química de Produtos Naturais” em 15 de maio de 2010.
A “lógica” do argumento do “design inteligente” é muito clara. Em vez de buscar um conjunto de respostas com base no método científico, busca somente em promover a “inferência do design”: que tudo é projetado (“designed”) por um projetista (“designer”).
Michael Behe, um dos proponentes do Movimento do Design Inteligente (MDI), explica o “argumento do design” dizendo que “Se o designer é realmente Deus, logo existe uma boa razão para supor que os mecanismos do design irão para sempre permanecer desconhecidos” (M. Behe, Reply to my critics, Biology and Philosophy, 2001, vol. 16, 698). Esta é uma argumentação digna de encerrar qualquer discussão sobre este assunto, uma vez que parte da premissa que as razões para o design não podem ser conhecidas. Logo, não podem ser questionadas. Segundo William Dembski, outro membro do MDI, “(…) o design se manifesta como uma metáfora vazia (…) um princípio inquestionável desprovido de significado empírico”. (W. Dembski, Intelligent Design, páginas 78-79 e 187-210).
Proponentes do MDI argumentam que várias estruturas biológicas são complexas demais para terem origem em causas naturais, principalmente algumas sub-estruturas celulares, como o flagelo. Stephen Mayer, por exemplo, diz que o DNA se parece com um software de computador, ou com uma “forma avançada de nanotecnologia”, que deve ter tido um programador ou “designer”. Afirma que “sabemos, de acordo com nossas experiências, que sistemas que apresentam tais características invariavelmente têm origem em causas inteligentes”. Afirma ainda, segundo ele cientificamente, que “o design inteligente, o qual está além de qualquer explicação, justifica a origem de máquinas moleculares nas células”. Desta forma, conclui: “organismos vivos parecem projetados (“designed”) porque foram realmente projetados por um projetista (“designer”)” (Stephen C. Mayer, Not by chance, National Post, 1º de dezembro de 2005).
É desta forma que os membros do MDI apresentam sua tese para responder a questões científicas. O cerne ideológico do design inteligente jaz, assim, fora de qualquer questionamento científico, uma vez que não pode ser avaliado por evidências empíricas. Como afirma David Hume (1975), argumentar de tal forma é como “abraçar um princípio, o qual é incerto e sem propósito. É incerto porque o assunto permanece totalmente além da experiência humana. É sem propósito por que nosso conhecimento desta causa [o design], originária diretamente da natureza, não pode jamais, de acordo com o raciocínio lógico, voltar à esta causa com qualquer nova inferência”.
De acordo com Behe, evidências de “design inteligente” em sistemas biológicos são óbvias pelo fato de muitos componentes destes sistemas apresentarem o que chama de “complexidade irredutível”. Por “complexidade irredutível” Behe entende como sendo “sistemas biológicos constituídos por partes integradas que contribuem para o funcionamento destes sistemas como um todo”. Assim, “sistemas irredutivelmente complexos não podem se originar de modificações sucessivas de um sistema precursor, menos complexo, pois, se qualquer das partes [que formam o sistema] estiver faltando, estes não funcionarão. Sendo assim”, conclui, “é necessário um design inteligente para criar sistemas biológicos irredutivelmente complexos, e que sejam funcionais” (M. Behe, Darwin’s Black Box, página 39). Segundo Behe, exemplos de estruturas irredutivelmente complexas seriam o flagelo bacteriano, o olho humano, o cérebro humano e o DNA.
Para dar uma apelo científico à sua proposta, os membros do MDI não negam a teoria da evolução como um todo. Procuram apenas tentar enfraquecer a mesma, tentando ilustrar com alguns “exemplos irrefutáveis” de complexidade irredutível que, aparentemente, a teoria da evolução não pode explicar. Desta forma, cientistas são forçados a tentar encontrar explicações para tais “lacunas da teoria da evolução”. Se não podem explicar, a teoria da evolução está falha.
Dois pontos devem ser aqui ressaltados. Em primeiro lugar, nenhuma evidência empírica foi fornecida pelos proponentes do design inteligente que demonstre experimentalmente a “complexidade irredutível”. Logo, se esta não pode ser comprovada, não pode ser aceita como forma de refutar a teoria da evolução. Em segundo lugar, o fato de determinados fenômenos não poderem ser explicados não quer dizer, em absoluto, que necessitam de uma explicação sobrenatural (o “design” de um” designer”). A história comprova que este argumento é uma grande falácia. Por exemplo, durante a Idade Média, a Igreja Católica adotou a visão de Ptolomeu que a Terra era o centro do universo, uma vez que a própria Igreja não dispunha de outro argumento. Até que Galileu demonstrou que a Terra gira em torno do Sol (embora tenha sido condenado pela Igreja por afirmar isso). Até a época de Cristóvão Colombo se acreditava que a Terra era plana. Newton demonstrou leis de mecânica clássica que explicam o movimento dos corpos, de forma alheia a qualquer “vontade”. Porém, Newton achava que deus era necessário para manter os planetas em suas órbitas. Laplace mais tarde mostrou que mecanismos puramente naturais fariam este trabalho, utilizando deduções lógicas e matemáticas a partir das teorias do próprio Newton.
A estrutura da matéria por séculos permaneceu desconhecida e, por isso, seria de atributo divino. Até que cientistas como Lavoisier, John Dalton, Avogadro, Gay-Lussac, Berzelius, Cannizaro, Berthelot, Kekulé, Mendeleev, Boltzmann, Le Bel, Van’t Hoff, Thomson, Planck, Rutherford, Bohr, Schrödinger, de Broglie e Heisenberg mostraram que a estrutura da matéria não tem nada de divino. A utilização de “evidências sobrenaturais” para explicar o que não pode ser explicado faz parte de uma estratégia denominada de utilização do conceito de um “deus das lacunas”: se não existe explicação, a única explicação possível é sobrenatural.
Porém, Behe admitiu sua falha de argumentação lógica sobre o conceito de complexidade irredutível, explicando-a como sendo uma “assimetria” de seu argumento, que falha ao se ater a uma inferência primária: que a evolução não pode originar instâncias de “complexidade irredutível” (Behe, Reply to my critics, Biology and Philosophy, 2001, 16, 695). Em seu último livro, “The Edge of Evolution”, Behe abandonou o conceito de “complexidade irredutível” em favor de questionar a natureza aleatória das mutações que dão origem a mudanças no código genético, sujeitas à pressão seletiva que levam à seleção natural. Behe argumenta que tal variação aleatória não fornece variação suficiente para originar mudanças evolutivas significativas (mas justificariam apenas pequenas mudanças). Assim, seria necessário um projetista (“designer”) não especificado, atuando como um profissional de engenharia genética, que seria o orquestrador de tal processo que origina novas espécies. Todavia, tal argumento já foi colocado por terra há um bom tempo atrás após a realização de trabalhos de geneticistas matemáticos (como J. B. S. Haldane e Richard Lewontin), que estabeleceram que a taxa de mutações de ocorrência natural excede, em muito, a taxa necessária para que os processos de seleção natural originem a novas espécies.
Como delineado acima, a “lógica” do “argumento do design” não se sustenta, nem do ponto de vista lógico, nem epistemológico, nem científico.
Bibliografia consultada
Andrew J. Petto and Laurie R. Godfrey, Scientists Confront Creationism – Intelligent Design and Beyond, W. W. Norton & Co., 2007.
D. Hume, Enquiries Concerning Human Understanding and Concerning the Principles of Morals, Oxford University Press, 1975, página 142.
Dembski, Intelligent Design: The Bridge Between Science and Theology, Downers Grove, Illinois: InterVarsity press, 1999.
Ernst Mayr, What Evolution Is, Basic Books, New York, 2001.
J. B. Foster, B. Clark, R. York, Critique of Intelligent Design, Monthly Review Press, New York, 2008.
John A. Paulos, Irreligion, Hill and Wang, New York, 2008.
Lynn Margulis and Dorion Sagan, What is Life?, University of California Press, Berkeley and Los Angeles, 2000.
M. Behe, Darwin’s Black Box, Free Press, New York, 1996.
Michael Shermer, Why Darwin Matters, Owl Books, , New York, 2006.
Niall Shanks, God, the Devil and Darwin, Oxford University Press, 2006.
Philip E. Johnson, “The Wedge of Truth: Splitting the Foundations of Naturalism, Downers Growe, Illinois, Intervarsity Press, 2000.
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