O que é o Movimento do Design Inteligente

Nesta semana o Movimento do Design Inteligente (MDI) foi pela primeira vez mencionado publicamente na esfera administrativa do governo federal. Segundo reportagem do jornal Folha de São Paulo, Benedito Guimarães Aguiar Neto, ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e agora Presidente da CAPES, estabeleceu novo centro de estudos no Mackenzie voltado para a disseminação do Movimento do Design Inteligente.

Há exatos 10 anos eu postei em antigo blog, chamado “Química de Produtos Naturais”, uma série de textos sobre o MDI. Aproveitando a atualidade do tema, os textos do antigo blog, e outros, serão aqui reproduzidos de maneira a estarem novamente disponíveis para esclarecer leitores interessados.

Esta postagem foi do dia 10 de maio de 2010.

O Movimento do Design Inteligente (MDI) é um movimento de ideologia criacionista, que nasceu nos EUA na década de 80, depois que a limitação do ensino da teoria da evolução nas escolas foi finalmente abolida pelo congresso norte-americano. Esta limitação surgiu em 1920, depois do julgamento de Scopes, quando um professor de ciências foi condenado por ensinar a teoria da evolução em sala de aula. Ao longo de 40 anos o ensino da teoria da evolução foi abandonado nos EUA, até que, quando do lançamento da nave Sputnik pela União Soviética em 1957, a sociedade americana “acordou” e percebeu que um eventual atraso do desenvolvimento da ciência poderia ser desastroso para o país. O ensino da teoria da evolução foi re-introduzido, e o ensino do criacionismo foi banido em 1983.

Com a proibição do ensino do criacionismo em aulas de ciências, setores extremamente conservadores dos EUA se organizaram e criaram o Discovery Institute em Seattle (estado de Washington), de onde surgiu o Centro para a Renovação da Ciência e Cultura. Este deu origem ao MDI, cujo objetivo é questionar e atacar a filosofia naturalista sobre a qual se fundamenta a ciência, a filosofia, a cultura e a política atuais, para substituí-la por uma ideologia cristã fundamentalista. De acordo com William A. Dembski, um dos proponentes do MDI, “Naturalismo é doença. Projeto Inteligente é a cura.” (Dembski, Intelligent Design, página 120).

O Movimento do Design Inteligente (MDI) surgiu de um encontro realizado na Southern Methodist University em 1992. A este encontro compareceram aqueles que fundariam o movimento: Phillip E. Johnson, Michael Behe, Stephen Meyer e William Dembski. Behe apresentou ao grupo a idéia que seria a semente original da ideologia do MDI: seu conceito de complexidade irredutível.

No verão de 1995, o grupo realizou a conferência “The Death of Materialism and the Renewal of Culture,” (“A Morte do Materialismo e a Renovação da Cultura”), que serviu de base para a fundação do Centro para a Renovação da Ciência e Cultura no ano seguinte. Johnson publicou outro livro, “Reason in the Balance: The Case Against Naturalism in Science, Law and Education (A Razão em Avaliação: O Caso contra o Naturalismo na Ciência, Direito e Educação), no qual se posicionou claramente contra o naturalismo metodológico. O Centro para a Renovação da Ciência e Cultura (CRSC, Centre for Renewal of Science and Culture) se deu com a formação do “núcleo duro” do Movimento do Design Inteligente: Stephen Meyer, John G. West, Jr., William Dembski, Michael Behe, Jonathan Wells, Paul Nelson e Phillip Johnson.

Em 1996, Michael Behe publicou seu livro “A Caixa Preta de Darwin”, em que apresenta seu argumento em favor do design inteligente: determinadas estruturas celulares ou processos bioquímicos seriam por demais complexos para serem resultado da evolução através da seleção natural. Tais estruturas, ou processos, são por Behe designados como “irredutivelmente complexos” e, por isso, devem ser “fruto de um design inteligente”.

Neste mesmo ano (1996) foi realizada a conferência “Mera Criação”, organizada por este grupo, na Biola University (California), com o apoio dos Ministérios dos Líderes Cristãos. O encontro reuniu um grupo de pessoas que rejeitam o naturalismo científico e promulgam uma ideologia fundamentada no criacionismo, denominada de “Intelligent Design” (Projeto Inteligente, ou Desenho Inteligente, ou Design Inteligente).

Subsequentemente foi lançado o periódico “Origins & Design”, editado por Paul Nelson. Em fevereiro de 1997, realizou-se a conferência “Naturalism, Theism, and the Scientific Enterprise” na Universidade do Texas. Como resultado, William Dembski editou o livro “Mere Creation: Science, Faith and Intelligent Design (“Mera Criação: Ciência, Fé e Projeto Inteligente”), contendo as apresentações do evento. No mesmo ano, Johnson, em seu novo livro, “Defeating Darwinism by Opening Minds” (“Aniquiliando o Darwinismo pela Abertura de Mentes”) expõe abertamente a estratégia estabelecida pelo MDI: A Cunha (The Wedge). O capítulo 6 deste livro, “The Wedge: A Strategy for Truth” (A Cunha: Uma Estratégia para a Verdade), apresenta tal estratégia como sendo uma maneira de enfiar uma cunha em uma tora de árvore:

“We call our strategy ‘the wedge.’ A log is a seeming solid object, but a wedge can eventually split it by penetrating a crack and gradually widening the split. In this case the ideology of scientific materialism is the apparently solid log.” (“Denominamos nossa estratégia de ‘a cunha’. Uma tora de madeira é um objeto que parece ser muito sólido, mas uma cunha pode eventualmente ser enfiada na tora através de uma fenda e aumentando o tamanho desta. Neste caso, a ideologia do materialismo científico seria a tora de madeira aparentemente sólida”).

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A forma de execução da “estratégia da cunha” (“The Wedge”) caiu na internet em 1999 (em inglês, veja aqui).

O objetivo do MDI é estabelecer um movimento anti-evolucionário unificado, através da manipulação da opinião pública. O MDI não é um movimento “inocente”: recebeu apoio de pessoas como os ex-presidentes dos EUA Ronald Reagan e George W. Bush. A criação do Discovery Institute teve apoio de Reagan. Hoje o CRSC é conhecido como Centre for Science and Culture (Centro para a Ciência e Cultura), que instiga o setor conservador da sociedade americana a questionar a teoria da evolução e o ensino desta.

De acordo com a estratégia “a cunha”, o ataque à Teoria da Evolução é apenas a ponta fina da cunha. O lado maior da cunha representa um objetivo extremamente ambicioso, de sobrepujar completamente a concepção naturalista em que a sociedade contemporânea se baseia, e começou a adotar há cerca de 500 anos durante o Renascimento. O documento “The Wedge” deixa claro quais são as intenções e objetivos do MDI: “estabelecer a ‘teoria do design’ na vida religiosa, cultural, moral e política, de tal forma a substituir a filosofia vigente da cultura moderna pela nova ‘filosofia do design inteligente’” (Philip E. Johnson, “The Wedge of Truth”, página 13). O que pode parecer um documento feito por adolescentes como uma brincadeira de mau gosto é algo muito sério: o documento “The Wedge” apresenta sua estratégia a longo prazo, mostrando seus objetivos a serem conquistados em qüinqüênios, com claras indicações que a intenção é impingir preceitos teológicos, culturais e morais na sociedade atual, muito mais do que apenas discutir conceitos científicos.

O Movimento do Design Inteligente objetiva atacar o naturalismo, primeiramente com relação à ciência, mas tendo por fim atingir toda a cultura atual. Segundo William Dembski, “embora as escrituras pareçam ter sido questionadas pelos fatos revelados pela ciência naturalista, aqueles que adotam o princípio da ‘visão de deus’ terão, por vezes, que se confrontar com a ‘perplexidade’. Esta se baseia em reconhecer nossas limitações de entendimento, e faz com que possamos nos prevenir de assumir que as escrituras estavam erradas”. Segundo suas próprias palavras “The choice is then up to us, which perspective we are going to trust” (“A escolha é de cada um de nós, de qual perspectiva iremos confiar”). (W. A. Dembski, The problem of error in Scripture, in Dembski and Richards Eds., Unapologetic Apologetics, página 94). O objetivo final do MDI através da “Estratégia da Cunha”, não é apenas dominar as ciências naturais, e sim dominar a ciência social, a cultura, a filosofia, a moralidade e a vida pública.

Bibliografia consultada

Barbara Forrest, The Wedge at Work: How Intelligent Design Creationism Is Wedging Its Way into the Cultural and Academic Mainstream, in Intelligent Design Creationism and Its Critics, R. T. Pennock, ed., MIT Press, 2001, capítulo 1.

Barbara Forrest and Paul R. Gross, Creationism’s Trojan Horse: The Wedge of Intelligent Design, Oxford University Press, New York, 2004.

Dembski, Intelligent Design: The Bridge Between Science and Theology, Downers Grove, Illinois: InterVarsity press, 1999.

Eugenie C. Scott and Glenn Branch, Not in Our Classrooms, Beacon Press, Boston, 2006.

J. B. Foster, B. Clark, R. York, Critique of Intelligent Design, Monthly Review Press, New York, 2008.

Philip E. Johnson, “The Wedge of Truth: Splitting the Foundations of Naturalism, Downers Growe, Illinois, Intervarsity Press, 2000.

Robert T. Pennock, Creationism and Intelligent Design, Annu. Rev. Genomics Hum. Genet., 2003, 4, 143-63.

Autor: Roberto G. S. Berlinck

Professor do Instituto de Química de São Carlos, USP

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