Na última segunda feira dia 27 de dezembro de 2021 se comemorou os 450 anos do nascimento do astrônomo e matemático alemão Johannes Kepler. Reportagem do jornal Folha de São Paulo sumariza, de maneira muito breve, as contribuições de Kepler para o entendimento do movimento dos corpos celestes. Porém, as contribuições de Kepler são significativamente mais importantes, não somente no campo da astronomia, uma das mais antigas ciências conhecidas.

Registros sugerem que a atividade de observação do céu noturno existiu desde o Paleolítico (entre 2.500.000 e 10.000 de anos atrás), certamente desde o Neolítico (10.000 a 4.000 anos atrás). Por exemplo, a construção do monumento Stonehenge teria necessitado décadas de observação e entendimento dos movimentos do Sol e da Lua, e do conhecimento da “astronomia de horizonte”. A civilização da Mesopotâmia desenvolveu uma astronomia bastante sofisticada, que também foi desenvolvida pela civilização antiga do Egito e da China, bem como na Índia e nas Américas. Também foi muito desenvolvida durante o Império da Babilônia, quando foram calculados os solstícios, equinócios, ciclos do Sol, da Lua, a predição de eclipses, calculados com precisão os movimentos de Vênus e Marte, bem como criado o sistema numérico sexagesimal. A astronomia foi posteriormente desenvolvida na Grécia, em particular segundo a abordagem Platônica para a resolução de problemas relacionados ao movimento dos planetas. A astronomia grega atingiu seu ápice com as pesquisas de Ptolomeu (90 d.C. -168 d.C.), que escreveu o primeiro tratado completo sobre o assunto, o “Almagesto”, que se tornou a principal referência sobre o assunto em quase 1500 anos subsequentes. A astronomia também foi consideravelmente desenvolvida pela ciência islâmica, que desabrochou durante o primeiro milênio da era Cristã, durante a qual foi descoberto o uso do astrolábio. Os islâmicos também foram os primeiros a fazerem a distinção entre astronomia (estudo dos objetos celestes) e a astrologia (a influência dos astros nas atividades humanas). Os astrônomos islâmicos foram os primeiros a criarem observatórios, e os cálculos teóricos astronômicos dos islâmicos só foram superados por pesquisadores europeus nos séculos XVI e XVII.
Em 221 a.C. a China criou o primeiro órgão oficial de governo dedicado à astronomia, o Conselho Imperial de Astronomia. Relatórios de astronomia de então eram considerados segredos de estado. Somente os Imperadores da China podiam autorizar o desenvolvimento de novas tecnologias astronômicas. Marco Polo (1254–1324), que viveu na China durante 17 anos, relatou em seus documentos que o estado Chinês mantinha um corpo de 5.000 especialistas em astronomia. Na China de então, filhos de astrônomos não tinham autorização para ter outra carreira e não podiam mudar de profissão. O desenvolvimento da astronomia na China foi notável. Já no século 4 a.C. os astrônomos chineses calcularam o ano solar em 365 + ¼ de dias. Os astrônomos chineses da antiguidade registraram mais de 1.600 eclipses lunares e solares, registraram 75 estrelas novas e super-novas, inclusive uma explosão estelar em 1054 d.C., que não foi observada por astrônomos islâmicos ou europeus. Durante 2.200 anos os astrônomos chineses registraram cometas, inclusive o cometa Halley (que retorna à Terra de 76 em 76 anos). Também calcularam os 26.000 anos de precessão dos equinócios.
Nas Américas, a astronomia foi assunto de muita pesquisa por parte dos Maias. Os Maias criaram calendários próprios, baseados no movimento de astros, e no Império Maia a astronomia era considerada uma atividade sagrada, influenciando inclusive a arquitetura e planejamento urbano. Também calcularam o ano solar em 365 + ¼ de dias. Vênus era considerado um astro sagrado na cultura Maia, para o qual foi calculado um calendário próprio, de precisão de 2 horas em 481 anos. Os Maias também construíram observatórios. Os astecas também desenvolveram atividades astronômicas. Povos Norte-Americanos também desenvolveram muitas atividades relacionadas à astronomia, como dos índios Anasazi no sudoeste Norte-Americano que inclusive construíram sítios de observação astronômica, como o de Grande Kiva em Pueblo Bonito, no Cânion Chaco.
Na Europa a astronomia teve desenvolvimento ocasional durante o primeiro milênio da era Cristã. Carlos Magno (748 – 814) estabeleceu escolas religiosas nas quais astronomia era ensinada. Gerbert de Aurillac (945–1003), que se tornou o Papa Silvestre II em 999 d.C., realizou cálculos astronômicos. As primeiras universidades européias ensinavam princípios de astronomia para seus alunos. As “Tábuas Alfonsinas” (ca. 1275) foram calculadas por pesquisadores não universitários do reino de Castela. Geoffrey Chaucer (1343 – 1400) escreveu um “Tratado sobre o astrolábio”. A tradução da obra de Ptolomeu foi realizada na Europa apenas no ano 1130 d.C. A astronomia também foi desenvolvida em Portugal em razão das navegações de além-mar.
Nicolaus Copernicus (1473-1543) escreveu o primeiro tratado que revisou a astronomia de Ptolomeu, o De revolutionibus orbium coelestium (Sobre a Revolução das Esferas Celestes). Nesta obra, Copérnico propôs a teoria heliocentrista, em oposição à teoria geocentrista de Ptolomeu. Também propôs pela primeira vez que a Terra realiza uma volta em torno do próprio eixo por dia, e completa uma órbita completa em torno do Sol por ano. Por suas descobertas e propostas, Copérnico é considerado um dos primeiros pesquisadores da era científica moderna. Todavia, Copérnico é mais considerado como um revisor da astronomia grega do que um precursor da astronomia moderna de Kepler e Newton. Por exemplo, eu sua pesquisa astronômica Copérnico não conseguiu explicar os movimentos complexos dos planetas. Copérnico não construiu ideias baseadas em novas observações, e não provou a teoria heliocentrista, apenas a propôs fundamentando-se em axiomas e hipóteses para explicar o movimento dos planetas.

Outro astrônomo importante, o dinamarquês Tycho Brahe (1546–1601) se dedicou intensivamente à observação dos corpos celestes. Construiu dois observatórios, o Uraniborg (O Castelo dos Céus) e o Stjerneborg (O Castelo das Estrelas). Também construiu os primeiros instrumentos precisos para a observação de estrelas e planetas. Tycho Brahe foi quem primeiro introduziu a noção de financiamento contínuo para a pesquisa científica, e conseguiu do Rei que 1% das receitas reais anuais fossem destinadas às suas pesquisas. Junto com seus assistentes, e fazendo uso de seus instrumentos de observação extremamente precisos para a época, Tycho Brahe fez uma coleta extensiva de dados astronômicos durante muitos anos. Em 11 de novembro de 1572 Tycho Brahe registrou o nascimento de uma nova estrela, que brilhou intensamente durante três meses. Utilizando extensas observações de paralaxe, Tycho Brahe calculou que a nova estrela se situava além da esfera de Saturno, sendo o primeiro a demonstrar a mutabilidade dos céus desafiando todas as concepções astronômicas vigentes até então. A observação de um cometa em 1577 reforçou as descobertas de Brahe, que também refutou Copérnico e o heliocentrismo. Propôs o geoheliocentrismo, no qual os planetas orbitam em torno do Sol e o Sol orbita em torno da Terra, argumento que utilizou para explicar os movimentos dos planetas.

Pelo fato de à época de Tycho Brahe três sistemas astronômicos serem considerados “vigentes” – o Ptolomaico, o Copérnico e o de Tycho Brahe – isso levou o conhecimento astronômico a fortes questionamentos, que constituíram o pano de fundo para as descobertas de Johannes Kepler.
A ciência de Johannes Kepler (1571–1630)
Kepler iniciou suas atividades científicas voltado para a astrologia e a numerologia. Estudou em escolas luteranas e na Universidade de Tübingen, nas quais tomou conhecimento da astronomia Copernicana e a adotou como um modelo correto para explicar o comportamento dos astros nas esferas celestes. Kepler estudou teologia e mesmo antes de ser diplomado foi nomeado professor de matemática na escola protestante de Graz, na Áustria. Por ter poucos alunos, passou a também ensinar história e ética.
Em suas anotações, Kepler registrou que em 19 de julho de 1595 teve uma revelação. Durante uma aula de geometria, teve uma visão mística que o cubo, o tetraedro, o octaedro, o icosaedro e o dodecaedro poderiam de certa forma enquadrar o universo e estabelecer as órbitas planetárias para além do Sol. Desenvolveu suas ideias em seu primeiro livro, Mysterium cosmographicum (O Mistério do Universo), publicado em 1596, de ideias Copernicanas na sua essência. Kepler foi expulso de Graz em 1600 por se recusar em se converter ao catolicismo. Tornou-se assistente de Tycho Brahe, e especialmente designado para explicar a órbita de Marte, que dentre os planetas visíveis do Sistema Solar é o que apresenta a órbita mais excêntrica. Kepler se dedicou a este problema durante seis anos, elaborando algo como 900 páginas de cálculos, porém muitos com erros, mesmos em suas correções posteriores e com a resposta correta tendo sido delineada, mas que ele “deixou passar”.
Teve, no entanto, um lampejo inspiracional, ao vislumbrar que os planetas orbitam o Sol em elipses e não em círculos. Ao publicar sua “nova Astronomia”, propôs duas leis: 1. Que os planetas orbitam o Sol em movimentos elípticos, com o Sol no foco; 2. No equivalente a uma lei de velocidade planetária, os planetas orbitam em raios que varrem áreas iguais em tempos iguais. Uma consequência da Segunda Lei de Kepler é que os planetas não se movem uniformemente. Com suas propostas, Kepler estabeleceu uma nova ciência da astronomia.
Kepler permaneceu em Praga como Matemático Imperial até 1612, e depois como matemático provincial em Linz, na Áustria, até 1626, quando foi para Ulm e Sagan. Dentre as obras finais de sua vida, Kepler escreveu uma Epítome da Astronomia Copernicana (1618-21), na qual apresenta uma visão elíptica do sistema solar, e as tabelas Rudolphine, um novo e altamente preciso conjunto de dados astronômicos baseadas nos dados de Tycho Brahe e no heliocentrismo de Copérnico. Em 1619, Kepler publicou seu Harmonice mundi (Harmonias do Mundo), que resultou do esforço que iniciou com Mysterium cosmographicum, bem como pesquisas e reflexões sobre a ordem matemática subjacente à estrutura do cosmos. No Harmonice mundi Kepler calculou relações astrológicas, correspondências de planetas com metais, a música das esferas e conexões semelhantes. Escondida neste trabalho estava a terceira lei de Kepler: o quadrado do tempo da órbita de um planeta é proporcional ao cubo da média raio de seu movimento.
Kepler teve que explicar a razão dos movimentos excêntricos dos planetas. Apresentou seus argumentos na sua obra Nova Astronomia, Fundamentada em Causas, de 1609. Kepler acreditava que o Sol possuía uma alma de movimento, que impulsionava os planetas, ideia mais tarde re-elaborada como uma força motriz de natureza supostamente magnética. Kepler elaborou esta ideia baseando-se na obra De Magnete, de William Gilbert, de em 1600, que mostrou que a Terra é um grande ímã. A física celestial de Kepler forneceu uma explicação plausível para o movimento planetário, com questões pendentes, como a força que o Sol exerce sobre os planetas. Embora considerado um grande astrônomo, outros pesquisadores de astronomia da época não leram ou refutaram peremptoriamente as ideias e descobertas de Kepler, inclusive Galileu Galilei.
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